Um entendimento do Superior Tribunal de Justiça que deveria ser observado, também em casos de relação de consumo. Em especial quando se está a tratar de produtos cujo prazo de validade é indeterminado mas, ainda assim, o fabricante é obrigado a fixar e anotar na embalagem o prazo de validade. Tudo para satisfazer normativas editadas sem a necessária reflexão de quem as edita.
Absolvida comerciante que venderia alimentos impróprios para o consumo
O STJ confirmou acórdão do TJRS firmando a tese de que para a configuração do delito previsto no art. 7º, inciso IX, da Lei n.º 8.137⁄1990 (crime contra as relações de consumo), é necessária a comprovação, mediante perícia, de que a mercadoria esteja inadequada ao consumo. Com essa decisão, foi ratificada a absolvição de Terezinha Lamberti Maizonave, alvo de ação penal movida pelo Ministério Público Estadual. A sentença de primeiro grau foi da juíza Adriane de Mattos Figueiredo, da 2ª Vara Criminal de Uruguaiana (RS).
A denúncia apresentada pelo MP narra que, no ano 2004, a denunciada tinha em depósito para venda – no seu estabelecimento comercial – mercadorias em condições impróprias para o consumo, sem procedência comprovada, fora do prazo de validade e em má condições de higiene: 2,5 kg de lingüiça; 86 ovos; 12,66 kg de carne suína; 20 sacos de carvão; 21 kg de arroz; e 40 litros de leite.
Terezinha chegou a ser presa em flagrante, tendo logo em seguida obtido liberdade provisória. A sentença de primeiro grau julgou improcedente a denúncia, absolvendo a ré.
Inconformado, o MP apelou ao TJRS, onde acórdão da 4ª Câmara Criminal manteve a sentença, sustentado na exigência – não satisfeita – de prova técnica pericial que atestasse a impropriedade do material, o que não é satisfeito meramente pelo auto de infração e apreensão de mercadorias.
Nas palavras do relator, desembargador José Eugênio Tedesco – agora já aposentado -“o entitulado ‘laudo técnico’ que aporta aos autos, por extremamente pobre em seus termos, longe passa de substituir a exigência de exame nos alimentos. Lavrada por duas médicas veterinárias, a peça cinge-se a referir que os alimentos apreendidos no estabelecimento ‘encontravam-se impróprios para o consumo, sem procedência comprovada’. […] se vê que a alardeada imprestabilidade dos produtos apreendidos para o consumo não é real, mas sim presumida, diante da escusa procedência dos alimentos.”
Fixou o relator, ainda, a concepção de que a duvidosa procedência ou falta de aval sanitário dos produtos, por si sós, não caracterizam impropriedade para consumo, para fins de configuração do tipo penal. Os pretensos laudos e o autor de apreensão chegaram a ser taxados pelo relator de “franciscanos”.
Da decisão unânime do tribunal gaúcho, o MP tentou buscar amparo junto ao STJ, onde mais uma vez viu sua pretensão ser rechaçada, mas desta vez com divergência de votos.
O relator do recurso especial, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, consignou que o tipo penal se satisfaz com o perigo abstrato ou presumido,”sendo, pois, despicienda a verificação pericial com o objetivo de atestar a impropriedade para o consumo da mercadoria.”
Prevaleceu, porém, o veredicto capitaneado pelo ministro Jorge Mussi, que colacionou lição de Guilherme de Souza Nucci, para quem”ter matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao consumo é situação que, logicamente, deixa vestígio material, preenchendo o disposto no art. 158 do Código de Processo Penal: Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Por isso, cremos indispensável a realização de exame pericial para atestar que a mercadoria ou a matéria-prima, realmente, pela avaliação especialistas, é imprópria para consumo. Não pode essa questão ficar restrita à avaliação do juiz, que se serviria de testemunhas e outras provas subjetivas para chegar a uma conclusão”.
Também lembrando de julgados do próprio STJ e do STF, o ministro Mussi negou provimento ao recurso especial e reafirmou a conclusão dada pelo Juízo de origem e pelo TJRS: “necessária a comprovação, mediante perícia, de que a mercadoria é de fato inadequada ao consumo, não bastando a mera presunção de sua impropriedade pela ausência de comprovação da procedência.”O entendimento majoritário foi seguido pelos ministros Felix Fischer, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima.
Atuam em nome da ré os defensores públicos Helena Maria Pires Grillo e Hélio de Souza Fuques.
Notícias do Espaço Vital, 29.06.2010.